Carta Aberta: O Silêncio é Cúmplice

Perante a mais recente escalada racista da extrema-direita — que vai das perseguições, às ameaças de morte e aos assassinatos –, um vasto conjunto de coletivos e associações dirigiu uma Carta Aberta aos principais poderes instituídos, a começar pelo Presidente da República e pelo Primeiro-Ministro. 

Neste importante documento que mais abaixo transcrevemos ma íntegra, os signatários exigem  que os responsáveis políticos e institucionais a quem endereçam esta carta “accionem os mecanismos processuais para combater o racismo e o crescimento da extrema-direita, assim como dêem um sinal inequívoco e público sobre a inaceitabilidade de actos e organizações políticas e partidárias racistas e que demonstrem a sua solidariedade para com as vítimas destes ataques.” Consideram ainda que “A negação e inacção sistemáticas são o leito da impunidade do racismo que tem escalado para níveis a que já nos tínhamos desabituado.”

Carta Aberta: O Silêncio é Cúmplice

No curto espaço de quatro semanas, a sociedade portuguesa foi palco de manifestações racistas cuja escalada exige uma resposta célere e um posicionamento explícito das entidades competentes num Estado de Direito Democrático.

Este sábado, em frente à sede do SOS Racismo, houve parada de um grupo neonazi, de rosto tapado e tochas. Fizeram-se filmar, fotografar e, com sentimento de impunidade, partilharam com gáudio essa informação pelas redes sociais. Algumas semanas antes, haviam grafitado a fachada da sede da mesma organização com a frase “guerra aos inimigos da minha terra”, aliás, como já haviam feito noutros espaços da Grande Lisboa onde inscreveram frases xenófobas e racistas (mural de homenagem ao activista José Carvalho; edifício do Conselho Português para os Refugiados; escolas Eça de Queiroz, da Portela e Escola Secundária de Sacavém). Perante esta escalada dos ataques, que é antecedida e acompanhada por um constante regime de ameaça e insulto a dirigentes do SOS Racismo, assim como a outros activistas antirracistas e antifascistas, não houve qualquer demonstração institucional pública de repúdio.

Perante o assassinato brutal de Bruno Candé às mãos de um ex-combatente da guerra colonial que durante dias o perseguiu, o insultou e baleou até à morte, não houve uma declaração institucional de pesar e comprometida com o antirracismo. As condolências e suporte institucionais nunca chegaram à família. Ao invés disso, da parte do Estado, tivemos a pronta declaração pública do Comissário do Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) da PSP, minimizando as motivações racistas neste assassinato. Embora a investigação estivesse apenas a começar e nem fosse da sua tutela (mas sim, da PJ), a precipitação e ingerência de um representante da PSP não teve qualquer demarcação pública ou consequência para o autor.

Tivemos duas contra-manifestações do Partido Chega onde por baixo da capa “Portugal não é racista”, se incita ao anti antirracismo, chegando-se ao ponto de devassar a vida privada de uma criança negra, de difundir informação caluniosa sobre Bruno Candé, poucos dias depois da sua morte. Num jantar em Leiria, André Ventura, o mesmo que propôs o confinamento da comunidade cigana e que desde a sua candidatura a Loures tem incitado ao ódio e perseguido essa comunidade, volta a insultar uma das deputadas negras: “elas que vão para os países delas, porque é lá que fazem falta”. Perante este abalroar constante da nossa Constituição, a acção das entidades competentes tem sido nula.

Depois de os líderes do PSD e PCP terem negado a existência de racismo em Portugal, vieram agora outras figuras desses partidos timidamente tentar dar sinal contrário, mas sem emendar o erro. O líder do PSD chega ao ponto de mostrar-se disponível para um entendimento com o Chega se este for mais moderado, mostrando o quão indiferente lhe é, política e eticamente, o trajecto de incitamento ao ódio racial e desprezo pela democracia que o Chega tem realizado.

Exigimos que os responsáveis políticos e institucionais a quem endereçamos esta carta accionem os mecanismos processuais para combater o racismo e o crescimento da extrema-direita, assim como dêem um sinal inequívoco e público sobre a inaceitabilidade de actos e organizações políticas e partidárias racistas e que demonstrem a sua solidariedade para com as vítimas destes ataques. A negação e inacção sistemáticas são o leito da impunidade do racismo que tem escalado para níveis a que já nos tínhamos desabituado. As nossas vidas importam. O silêncio das instituições é cúmplice.

Associações e colectivos subscritores:

Afrolis – Associaçao Cultural; Associação Cavaleiros de São Brás; Associação Cigana de Coimbra; Associação Kazumba; Associação Passa Sabi; Aurora Negra; Nêga Filmes – Coletivo Artístico; Costume Colossal; Djass-Associação de Afrodescendentes; Em Luta; Escudo Negro; Femafro – Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal Grupo EducAR; GTO LX – Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa; INMUNE – Instituto da Mulher Negra em Portugal; KHAPAZ – Associação cultural de afrodescendentes; Letras Nómadas Aidc; MN.E – Mulheres Negras Escurecidas;  NARP – Núcleo Anti-racista do Porto; Nasce e Renasce – Associação Juvenil; Nu Sta Djunto;  Núcleo Antirracista de Coimbra; PADEMA – Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana; Peles Negras, Máscaras Negras – Teatro do Escurecimento; Plataforma Geni; RedeIPMCLO; Ribaltambição – Associação para a Igualdade de Género nas Comunidades Ciganas; Semear o Futuro; Sendas e Pontes – Associação Intercultural para a Inclusão das Comunidades Ciganas Sílaba Dinâmica de Elvas;  SOS Racismo; Teatro GRIOT; Together2change

Foto de Marlene Nobre, editada por Via Esquerda

1 comentário em “Carta Aberta: O Silêncio é Cúmplice”

  1. Ou todos os partidos democráticos se põem de acordo – investindo o seu conhecimento e experiência para identificar sem preconceitos os problemas sociais das minorias em Portugal – e obrigam o(s) governo(s) a pôr em prática os meios para os resolver logo na origem (e não será de certeza com a piedosa prática comodista de distribuir subsídios que estimulam mais a inactividade do que a integração), ou continuaremos a deixar ao abandono as actuais e futuras gerações dessas mesmas minorias.
    O problema não se resolve policiando os frouxos de extrema direita que aparecem de cara tapada, mas sim tirando-lhes os ‘argumentos’.
    Lançar acusações a um Ministério ou um Governo por falta de declaração pública que dê nas vistas ou pela ausência de discursos inflamados, é uma reclamação que embora honesta é pontual e que de pouco servirá se não existirem políticas sociais que ataquem o problema de forma radical; daqui a um mês, um trimestre, um ano ou uma década, estaremos a reivindicar o mesmo, embora tudo esteja então muito pior.
    Há excelentes propostas para combater o racismo e a discriminação de minorias que ao longo dos anos têm sido apresentadas, mas que nenhum governo pegou e levou por diante. Possivelmente muitos recursos podiam e deviam ser criteriosamente investidos, em vez de consumidos numa política de ‘bombeiro’ que de vez em quando e depois de alguma insistência lá vai apagar alguns fogos e reacendimentos de actos racistas.
    Estamos a perder terreno, ceder ao medo propagado pelos arrivistas e marginais que já apareceram e que irão crescer mais e mais, alimentando-se de forma cobarde de uma falha que é e tem de ser assumida pela democracia portuguesa.

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