A associação Habita! continua a acompanhar a situação no bairro Alfredo Bensaúde, na freguesia dos Olivais, que, segundo Rita Silva, retrata “uma crise de habitação que existe e que se tem vindo a aprofundar ao longo dos últimos anos”, referindo aquela dirigente da associação que as famílias não conseguem encontrar nem habitação social, nem habitação no mercado.
Assim, começam a recorrer a alternativas precárias – carros, barracas ou pensões sobrelotadas, “vivendo de muitas formas que não são aceitáveis e que não são dignas”, diz Rita Silva à Lusa. “No momento de pandemia, isto revela-se como um enorme perigo de saúde pública”, alerta.
Entre os dias 26 de Fevereiro e 13 de Março, já em período covid-19, foram realizadas 20 ações de despejo no bairro Bensaúde, numa ação conjunta da Gebalis e das forças policiais, dirigida diretamente pela presidência da CML, alegadamente por se tratarem de ocupações ilegais. Cerca de 70 pessoas ficaram na rua, sem qualquer alternativa.
O município não garantiu previamente às famílias em situação vulnerável soluções de realojamento, como estipula a Lei de Bases da Habitação, nem cumpriu a Lei do Arrendamento Apoiado que prevê que “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.”
Estes despejos violaram o acordo estabelecido entre o PS e o BE para o executivo da CML, que estabelece o “reforço da transparência e da proteção dos inquilinos, através da suspensão dos despejos de imóveis municipais quando verificada a carência económica dos respetivos inquilinos e não se encontre solução adequada para o realojamento dos mesmos”.
Segundo a Lusa, a Habita! está a fazer o levantamento das pessoas por alojar no bairro Alfredo Bensaúde, adiantando que existe pelo menos mais de uma dezena de famílias a viver na rua, “além de muitos casos de extrema sobrelotação que existe dentro da habitação social”.
Em comunicado, aquela associação refere que devido à luta dos moradores e à pressão exercida sobre a CML por vários coletivos, como o Stop Despejos, Pastoral dos Ciganos, SOS Racismo , conseguiu-se ao fim de um mês que algumas das famílias despejadas fossem encaminhadas para pensões e alojamentos locais, mas apenas enquanto existirem medidas de contenção epidémica. A Habita! questiona: “sim, leram bem, apenas durante o período da epidemia, porquê? Porque a Câmara Municipal de Lisboa acredita que essas crianças não merecem uma casa.”
Marco Aurélio Silva, de 49 anos, vive numa tenda com a mulher, Maria da Liberdade, com 77% de incapacidade. Ao lado, na bagageira de uma carrinha, dormem o filho, Abrão Silva, e a nora. Antes, viviam todos numa habitação municipal do bairro Bensaúde, mas foram despejados em 26 de Fevereiro.
“Estávamos quatro pessoas a viver dentro daquela casa, fomos despejados e viemos para o olho da rua”, conta Abrão, lamentando a falta de condições para cumprir quarentena. As barracas não têm casa de banho, pelo que lavar as mãos e tomar banho “é impossível”.
Foram despejados, alegadamente, por ocupação ilegal, mas a autarquia não promoveu previamente soluções alternativas e a habitação continua vaga, diz: “Dezenas de casas estão fechadas e sem ninguém lá dentro”. “Se ajudaram uns, tinham de ajudar os outros também. Não é só ajudar uns e os outros ficarem a viver na rua”, reclama Leandro.
Vanessa completa o apelo: “Pelo menos um tecto, por baixo de um tecto não passamos o que estamos a passar […]. Por causa deste vírus que anda aí, isto é muito perigoso estarmos na rua, deviam compreender a nossa situação”.
Quanto ao número de famílias a viver na rua, a empresa que faz a gestão dos bairros municipais de Lisboa desconhece quantas são, ressalvando tratar-se de “ocupação do espaço público” que “extravasa as competências da Gebalis”.