Aeroporto de Lisboa: Baralhar e dar de novo?

O coletivo “Lisboa Precisa”, de moradores da capital, acaba de tomar posição sobre as mais recentes decisões do governo relativas ao novo aeroporto. Transcrevemos na íntegra esse comunicado, a partir da sua página facebook.

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Tal como se previa, mantendo-se a oposição de duas câmaras municipais à construção do aeroporto no Montijo, o processo teria de ser chumbado, fosse pela autoridade aeroportuária, fosse por ação judicial devido ao incumprimento da lei. Incompreensível é o tempo que o governo deixou passar sem nada fazer, desde rejeitar qualquer plano B, até à renúncia em seguir o processo normal de elaborar uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que agora anunciou ir fazer. Mais de dois anos perdidos sem decisão e sem aeroporto!

Não fosse a pandemia e a quase paralisação do tráfego aéreo, estaríamos perante um enorme problema, sem capacidade de resposta e sem alternativa num prazo aceitável. Como condução política deste processo, pior seria difícil. É o preço a pagar por deixar em mãos de empresas privadas a decisão quanto a infraestruturas estratégicas para o país.

Face ao que tem vindo a público (ver declarações de responsáveis da ANA/VINCI e do governo) o que se vai seguir parece ser apenas a forma de sancionar um resultado, que se espera seja o mesmo. Como o transporte aéreo não deverá recuperar antes de 2024, há tempo para fazer o número de se estar a ponderar e avaliar alternativas, mas sem consequências para os interesses da ANA/VINCI, que já esclareceu que o seu negócio é no aeroporto da Portela (onde está a investir milhões, sem ninguém a incomodar, para aumentar capacidade) e que não está disponível para pagar outra coisa que não seja um pequeno aeroporto para companhias “low cost”. Por outro lado, com o apoio do PSD, o governo vai alterar a lei para evitar qualquer hipótese de veto por parte dos municípios afetados, evitando assim poder passar pelo mesmo.

Qual a estratégia para não beliscar os interesses privados? Em primeiro lugar propor uma AAE que, ao restringir o campo das alternativas, favoreça a “solução” Montijo. De facto, atendendo ao custo das infraestruturas rodo e ferroviárias a construir para servir um aeroporto no campo de tiro de Alcochete – acrescido do custo deste ser totalmente construído de raiz — percebe-se que, no factor custo, esta alternativa será sempre pior classificada que o Montijo. Como, entretanto, a agência ambiental (APA) conseguiu demonstrar que aí os impactes ambientais seriam todos compensáveis, não sendo por isso impeditivos da construção do aeroporto, as vantagens ambientais de Alcochete acabam por ser menorizadas. Dir-se-á que as vantagens do Montijo seriam prejudicadas pelo aumento dos impactes associados à expansão Portela. Só que, nessa altura, se a obra não estiver concluída, já será irreversível. Não se iria encerrar um aeroporto a “funcionar em pleno” e a dar bons lucros, para gastar milhões a construir um completamente novo. Por fim, a terceira alternativa proposta é o que se chama a “choca” que ajuda a conduzir o touro aos curros. Na verdade, quem acredita que o grande aeroporto será no Montijo e a Portela (onde há obras concluídas e se continuam a investir milhões) passe a complementar? Para que tal fosse possível, o aeroporto do Montijo teria de se construir sobre o estuário, mas, nesse caso, qual a razão para descartar essa possibilidade no Mouchão da Póvoa em Alverca, onde os impactes ambientais seriam incomparavelmente menores?

Em conclusão. Se isto fosse a sério, a AAE não deveria excluir nenhuma alternativa já apresentada para aumentar a capacidade aeroportuária de Lisboa, tais como a alternativa Alcochete, Alverca+Portela e igualmente a de Rio Frio/Poceirão, abandonada na altura da discussão do aeroporto na Ota porque se previa aí um grande empreendimento turístico e imobiliário, o que já não se verifica. Só assim, e considerando todos os impactes sobre a cidade de Lisboa decorrentes de passarmos a ter na Portela o dobro dos voos existentes antes da pandemia (com tudo o que isso implica de ruído, risco, poluição do ar e novas infraestruturas de acessibilidade) é que poderemos ter uma AAE minimamente séria. Tal como está prevista, será mais um baralhar e dar de novo …

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