A geringonça e depois? A mobilização social além das instituições

Quando se chegar a novembro deste ano, terão passado três anos de um governo singular em Portugal, governo em que um partido de centro esquerda só está no poder porque fez um acordo inédito com outros partidos de esquerda, o BE e o PCP e os Verdes.

Mais importante neste momento do que fazer o balanço deste período, e do que ficou conhecido com ‘Geringonça’, é pensar se há condições para que os próximos quatro anos possam trazer avanços significativos do ponto de vista de uma esquerda que, mais do que procurar deter a hegemonia neoliberal, consiga alterar a relação de forças na luta de classes, de modo a que os trabalhadores tenham mais capacidade para reivindicar mais direitos, reduzir o desemprego, combater a precarização laboral, reduzir o horário máximo de trabalho semanal para todos os trabalhadores ou diminuir as desigualdades sociais.

Algumas conquistas nos direitos sociais foram alcançadas nos últimos anos, no entanto, há uma série de dificuldades que impedem mudanças mais estruturais:

1) o statu quo da UE e os seus tratados e legislação que impede uma política macroeconómica de esquerda, ou meramente social-democrata, no contexto dos condicionalismos impostos a nível europeu;

2) a hegemonia na esquerda portuguesa de um partido de centro-esquerda que não tem realmente um plano nem sequer de reformas económicas e sociais para alterar a relação interna de forças na dinâmica social;

3) a debilidade dos movimentos sociais, assim como o esquecimento ou a incapacidade, por parte da esquerda radical, de conseguir a mobilização das massas trabalhadoras.

Sendo a classe trabalhadora aquela que será mais afectada no caso de um agudizar da situação económica e de um aumento de pressão para o regresso de medidas de austeridade mais severas, deveriam os partidos de esquerda aproveitar o contexto político actual para procurar inverter o decrescimento de mobilização social, não apenas aquele que é conjuntural e que recebe a atenção mediática em curtos períodos de tempo, mas uma mobilização mais constante e persistente.

Parece verificar-se uma de duas situações: ou uma extrema confiança numa mudança na relação de forças na esquerda, somente através do aumento na votação dos partidos de esquerda radical, quando o exemplo grego do Syriza nos deveria ensinar que sem uma mudança na consciência social do povo este continuará à espera que se rompa com a austeridade sem uma ruptura com as regras europeias e eventualmente com o euro.

Mudanças políticas significativas – mesmo sem rupturas revolucionárias – num sistema económico e social exigem uma forte mobilização social que se disponha a lutar por essas mudanças e a defendê-las nas ruas. Ora, esta só existirá se tiver havido uma mobilização social prévia, que envolva amplos sectores da classe popular na resolução dos seus problemas. Uma aritmética distinta nas instituições políticas de representação ajuda mas não substitui, de nenhuma forma, a mobilização popular.

No início deste ano, Francisco Louçã publicou um artigo com o título ”Instituições, institucionalismo e o Bloco” em que, sobre o BE, considerava que ”O Bloco progrediu pouco na representação social, que não se pode confundir com eleitoral.” Prosseguia, dizendo que ”há hoje poucos canais para a ação em que se crie militância social” e que a representação institucional é ”o ponto forte do Bloco” dizia que ”a normalização institucional cria pressões nesse sentido” (de adaptação). Sobre as consequências possíveis da adaptação, Louçã elencava as seguintes: ”a resignação a medidas demasiado limitadas em nome da estabilidade dos postos alcançados; a recusa de criticar as próprias instituições ou as suas direções em nome da possibilidade de futuros compromissos; a ideia de que a política só se realiza com pequenos passos; o medo da perceção pública na apresentação de uma alternativa socialista que conduza a outras formas institucionais; a vontade de evitar o risco do conflito com medo de perder. Todas essas formas de adaptação deformam uma política de esquerda que se baseie na representação popular.”.

Para além destes riscos que podem advir da institucionalização e adaptação da esquerda de tradição anticapitalista, seja no BE ou no PCP, partidos que se propõem representar os ideais socialistas, comunistas e anticapitalistas, se não tiverem esquecido todo o legado marxista, saberão que por muito importante que tenha a ”representação institucional e eleitoral” não é esta que consegue deter processos políticos, económicos e sociais e que, nesse sentido, a incapacidade de parte da esquerda de conseguir organizar-se em movimentos sociais das massas trabalhadoras dita os limites de possibilidade de intervenção desta esquerda.

No fim da leitura do artigo de Francisco Louçã fica-se com a sensação de que o mesmo reconhece na história do BE e no seu estado presente um défice de representação social, mas não se apresenta nenhuma proposta concreta de como essa lacuna se pode preencher. Parece-me que há nesse texto a identificação de um problema e a esperança de que ”por agora” (?) a representação institucional e eleitoral compense a falta de representação social deste partido.

Por agora, em que parece ainda haver alguma estabilidade das taxas de juro a nível europeu, em que perante a instabilidade política nos governos da UE tem diminuído a pressão directa sobre o governo português, no sentido de manter e aumentar as políticas de austeridade, talvez esta aposta na ”representação institucional” sirva a curto prazo para ter um bom resultado nas eleições do próximo ano.

Mas tudo isto é muito pouco e será quase irrelevante quando o contexto político e económico se alterar, porque nessa altura ou há capacidade de mobilizar socialmente ou não há representação e força institucional que valha.

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