A discussão sobre os “abusos sexuais” na igreja católica

Usos e abusos

No caso da pedofilia eclesiástica, que agora ocupa primeiras páginas, de todos os lados se ouve assim: inaceitáveis, os casos de abuso; queremos saber quantos são, os abusos: são muitos abusos, são poucos abusos, são assim-assim…

Abusa-se da palavra “abuso”, Nela se insiste, vinca-se, repete-se.

Quer-se visivelmente provar que estamos apenas perante “casos”; perante “casos”, portanto, de indivíduos, indivíduos que “abusaram”.

Que abusaram, digamos assim, do poder neles investido, para cometerem nefandos pecados sexuais contra menores.

Que tem isto a ver com a realidade?

Os nefandos crimes são verdadeiros, ninguém se atreve a negá-lo.

Mas o que está passar politicamente é outra coisa.

É que a realidade é mais simples – e muito mais sinistra – e é essa realidade que se tenta apagar.

Os crimes abomináveis que têm vindo à luz um pouco por todo o “mundo católico”, na Europa, na América, não são simplesmente “casos” de “abusos” sexuais da e na Igreja católica.

São casos que ilustram o uso, muito mais do que o abuso.

Durante séculos, o pessoal dirigente e médio da igreja tem desempenhado um papel fundamental na manutenção da ordem. Primeiro da ordem feudal, depois da ordem capitalista.

Esse papel é naturalizar a opressão do grande número pelo ínfimo número.

Relembre-se que a declaração dos direitos do homem da revolução francesa foi uma declaração contra a Igreja e o seu mundo, um mundo em que não havia homens iguais: havia senhores e servos.

Aos quadros da Igreja, para poderem desempenhar eficazmente o seu papel, para poderem manter a autoridade sobre o “rebanho” nos termos da doutrina, pedia-se que “cumprissem” certas normas de comportamento pessoal – normas difíceis de cumprir.

Dava-se-lhes, em contrapartida, um direito natural a privilégios compensatórios.

Um deles era o uso livre de crianças e menores, do sexo que preferissem, para a sua satisfação sexual.

Particularmente dos mais indefesos, como é natural, para evitar chatices com gente grada.

Por exemplo, os órfãos e/ou crianças entregues à própria Igreja por pais sem possibilidades de os manterem vivos. Que os entregavam a uma pia casa, uma casa pia.

Não será por isso que o sr. Ornelas, oportunamente avisado pelo devoto amigo Marcelo do que na justiça se tramava contra a Santa Madre, mete os pés pelas mãos quando lhe fazem perguntas?

Não será por isso que a eminentíssima excelência que sem dúvida é o bispo do Porto não consegue compreender como é que se quer julgar pessoas (activas há uma geração, se não menos) pelos “critérios de hoje”?

Não será por isso que a ainda mais eminentíssima excelência que é o protector da fé Marcelo rejubila com os “fracos números” das vítimas de “abuso” sexual da sua Igreja vindos a público em Portugal?

Como em todos os domínios da vida nesta sociedade de exploração do homem pelo homem e de dupla exploração da mulher, o problema não são tanto os “abusos”.

O problema são os usos.

Só se pode acabar com os abusos, acabando com os usos.

 

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