A derrota de alguém e a vitória de ninguém – assim vai a União Europeia

Nem sempre existiram eleições para o Parlamento Europeu. No início, quando detinham funções meramente consultivas, os deputados do parlamento da União eram eleitos (escolhidos) pelos parlamentos nacionais. As eleições de 1979 foram o virar de página, trouxeram a ansiada democratização ao Parlamento, passavam a ser eleitos por nós. Mas, foi com o Tratado de Lisboa que os eleitos deixaram de representar os povos europeus, para representar os “cidadãos da União europeia”, naturalmente, esta mudança não era uma questão oca de semântica, tratava-se de um sinal claro de que a política da União Europeia passaria a ser orientada para o desenvolvimento da “cidadania da União europeia” para lá do “homem numerário”, obvio que as crises europeias demonstraram-nos que não seria bem assim. Na verdade, também por outro motivo, esta mudança foi/é fundamental pois explica porque motivo é tão importante que a tónica nos debates para as eleições se desloquem (de vez!) para os assuntos que dizem respeito aos cidadãos da União Europeia, que se desloquem para o debate entre o português e o alemão, o grego e o italiano, o romeno e o francês sobre o destino comum deste espaço, agora, partilhado, na busca de respostas a problemas iminentes, como é o caso da imigração, dos refugiados, as alterações climáticas, as “novas” relações laborais, enquanto fenómenos de corresponsabilidade … mas, enfim, em Portugal, com os assuntos de sempre, entre as aborrecidas fotografias mostradas por Nuno Melo e a troca de galhardetes entre os cabeças de lista do PSD e do PS, o debate fugiu da União Europeia, o que não é, nem nunca foi um assunto de “segunda”, pelo contrário, estas eleições foram tidas/deveriam ter sido tidas como as mais melindrosas da história do Parlamento.

Embora não nos tenhamos apercebido em Portugal, onde não sentiu mais do que uma brisa com as eleições europeias, naturalmente, o maior medo do resultado das eleições para o Parlamento Europeu era a abertura de portas para as forças antidemocráticas e anti integração. O medo não era desmedido: continuam tais forças a revelar-se como o grande inimigo da União Europeia, mas se vivam desagregadas vivem agora em projecto comum: “destruir a União Europeia por dentro”, como afirmou Marine Le Pen, líder da extrema-direita em França. Em França, ao contrário do que se passou na cena portuguesa, a participação eleitoral superou os 51% e a extrema-direita de Marine Le Pen venceu as eleições, obtendo 22 eurodeputados. Em itália, a extrema-direita de Salvini demonstra grandes avanços, com a eleição de 28 deputados. O partido de Viktor Orban conhecido pela censura dos media, perseguição de minorias (ciganos, judeus, homossexuais), de refugiados, e por ter cometido várias irregularidades no funcionamento do sistema constitucional, incluindo na Justiça, conseguiu 14 eurodeputados.

Por sua vez, os resultados do Reino Unido, que não só reafirmam o Brexit como nos avisam que virá um hard brexit, também nos dão sinais que não podem continuar a ser ignorados: a utilização de dados pessoais está a alterar os processos democráticos, de forma perigosa e a uma velocidade incontrolável, todos sabemos quem ganhou, mas sabemos e percebemos cada vez menos como ganhou. Há quem diga que era falso o alarme, pois bem, o partido de Hitler começou com 6% dos votos, foi quase insignificante, em 1930, com 18% dos votos ‘estagnava’, como escrevia a imprensa. Em 1933 obteve 43,9% dos votos. Sabemos o que aconteceu de seguida. Sabemos, mas não nos lembramos. Por isso, a solução para o défice democrático não é o crescimento de uma alegadamente inexistente cultura cívica e política, antes, é, porventura, mais simples e menos intelectualmente apetecível: são as boas campanhas. Pois que, enquanto isso não acontecer, as eleições para o Parlamento europeu continuarão a ter este sabor: a derrota de alguém e a vitória de ninguém.

 

 

1 comentário em “A derrota de alguém e a vitória de ninguém – assim vai a União Europeia”

  1. De acordo com o que é dito mas creio que isso é só um preâmbulo do que é necessário fazer. Boas campanhas fazem-se com propostas políticas que apontem para o que está em causa:
    Arquitectura e funcionamento do Euro e da zona euro, o poder desmedido dos grupos financeiros, as desigualdades sociais, laborais, fiscais, o funcionamento e o papel dos offshores, a corrupção, o abandono das políticas de coesão social, o tratado orçamental e o estrangulamento proveniente da dívida pública que retira meios para o financiamento dos serviços públicos, o enfraquecimento e o ataque aos direitos laborais, ao estado social.

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