A Cantiga é uma Arma

Morreu o Zé Mário Branco. Não faleceu, não partiu, não nos deixou. Morreu simplesmente.

Mas, afinal, temo-lo connosco, hoje e para sempre, o tempo que cada um de nós durar. Que Portugal durar. Que o mundo durar.

Tal a importância da sua vida, ou seja daquilo que ele fez para nós todos. O seu amor pela música, a sua entrega à acção política – “eu sou político porque sou músico; não sou músico porque sou político” – marcam toda uma época de combate sem tréguas que, como ele próprio afirmou, teve início quando deu o salto da igreja católica, suporte do fascismo, para outra igreja a do dogmatismo político, o PCP, mas onde, na altura, ele encontrou a possibilidade de lutar contra o fascismo. Era jovem, que jovem era.

Os jovens foram então condenados a ir matar e morrer na guerra colonial. Ao perceber a orientação do então seu partido para integrarem as tropas coloniais o Zé Mário disse para consigo: eu não vou matar o meu irmão a quem só quero abraçar e dizer-lhe força camarada!

Aí começa, decerto, a sua linda e dura caminhada de rebeldia e de entrega radical da sua arte à luta dos trabalhadores, dos emigrantes em França, dos povos das colónias.

O Maio de 68 foi o grande momento do salto em frente para os grupos de exilados políticos em França. Os nossos artistas que iam tocando e cantando para os emigrantes nos seus bidon-ville, viram-se de súbito no grande movimento que, juntando estudantes e operários, levou à maior greve geral da história de França – 10 milhões de trabalhadores da cidade e do campo – confrontando nos seus alicerces a sociedade a civilização burguesas.

Então a canção saltou para as fábricas ocupadas. A canção de protesto anti-fascista e anti guerra colonial enraizou-se na luta anti-capitalista, anti-imperialista. Os nossos cantautores estavam prontos para marcar o 25 de Abril, para incendiar o proletariado para lhe oferecer o “barco de sonho” que havia de incendiar o PREC.

Na relação entre utopia e revolução o Zé Mário foi encontrar-se com a UDP que ajudou a fundar. Assim como fundou o mais importante grupo de música popular e de intervenção, o GAC- Vozes na Luta.

José Mário Branco

Utopia e revolução as duas coordenadas do movimento socialista, de acordo com Karl Marx.

O «FMI» foi, decerto, como disse o Zé Mário, uma catarse.

Mas eu acho que foi ainda mais um grito brutal e necessário de rebeldia e de revolta – “um grito com as tripas” – contra as camisas de forças que em nome de uma racionalidade política forjada pela ideologia, os «comités centrais e associados», demarcam os limites da luta no temor que a “liberdade à solta” e o ámen expurgado impeçam a chegada ao objectivo por eles previamente traçado. Eles, os que sabem.

Mas para o Zé Mário não basta ter razão, e ele tem razão, é preciso mudar desde que as pessoas estejam interessadas. Portanto é preciso política. Ou seja, a política é a arte de orientar sabendo seguir.

E, de facto, é esta a base para o entendimento de qualquer movimento revolucionário.

O Zé Mário soube entender o evoluir da nossa história e dar-lhe sempre a resposta adequada na sua música e nas suas palavras cantadas ou ditas. Mas nunca se acomodou, a incómoda necessidade da revolução esteve sempre presente, sempre exposta de uma ou de outra forma.

A raiva e a alegria, servidas por um grande rigor ético e estético, foram sempre a referência com que disputou e ganhou a adesão das novas gerações como tinha conquistado a da malta do PREC. Porque, para ele, a forma é o conteúdo.

A canção de intervenção para os dias de hoje é o RAP. Ele mesmo o quis mostrar na sua relação com os nossos rappers como o Chullage e o Ruas que bem lembrou que antes de o RAP aparecer nos States já o «FMI» era RAP.

O seu «Mudar de Vida» – ou, talvez melhor, “mudar a vida” como também o ouvi dizer – é a prova de que o essencial está aí, na acção e no pensamento para a revolução.

O trabalho, a vida do Zé Mário, são demasiado importantes, demasiado essenciais para nos limitarmos a admirá-lo ou, mesmo, a venerá-lo, do que ele não gostaria mesmo nada..

Temos que aprender com ele: a liberdade é o alicerce da igualdade. Não poderemos tolerar qualquer espaço onde a liberdade seja ameaçada. Esta a grande mensagem que a juventude de hoje está predisposta a entender.

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